sexta-feira, abril 25, 2003

Interessante este artigo do jornalista Hélder Bastos, publicado no JN, no dia 23 de Novembro de 1996.

Jornalismo e tecnologia


Nos dias que correm, as tecnologias avançam a um ritmo difícil de acompanhar por parte dos jornalistas.
Os profissionais dos jornais, da rádio e da televisão quase todos os dias dão de caras com pequenas revoluções. Diários digitalizam-se. Rádios passam a emitir por inteiro sob a batuta de computadores. Estações de TV sofisticam-se com ferramentas caríssimas, destinadas a melhorar produtos e desempenhos. A Internet, rede de rede de computadores, está à espreita para entrar no dia-a-dia das redacções.

É inegável o papel importante das novas tecnologias na melhoria da qualidade do trabalho jornalístico. Mas, só por si, não fazem milagres. Há que aprender a utilizá-las sem abusar delas. Não basta a um jornalista ser um Schumacher dos computadores para se tornar num bom repórter.

Por outro lado, se as tecnologias não forem devidamente enquadradas na profissão, corre-se o risco de se transformar paulatinamente os jornalistas em tecno-jornalistas, embotando a suas capacidades de escrita, de observação, de questionamento crítico da realidade.

No entanto, neste momento, a tendência geral é mais para um sub-aproveitamento das potencialidades tecnológicas, resultante, por um lado, de alguma tecnofobia primária existente e, por outro, da falta de formação profissional adequada.

É no contexto de um ambiente profissional sujeito a transformações e adaptações cada vez mais rápidas que emerge a necessidade de pensar a posição do jornalista face às tecnologias. O problema é que em Portugal pouco ou nada se pensa ainda em torno desta disciplina.

As tecnologias não devem tornar-se, à custa de deslumbramentos, um fim para o jornalismo. Devem, antes, constituir um meio para ajudar os profissionais nas suas tarefas de recolha, selecção, tratamento e enquadramento da informação. As empresas não podem limitar-se a investir em novos materiais. Devem empenhar-se igualmente na massa cinzenta. Ainda está por inventar o bisturi que faça a operação enquanto o cirurgião fuma um cigarro no corredor...

No meio de tudo isto, dá para entender a forma algo desalentada como as gerações mais velhas de jornalistas olham hoje para a sua profissão.

O antigo repórter e Prémio Nobel da Literatura Gabriel Garcia Márquez dizia, no mês passado, durante a 52ª assembleia da Sociedade Inter-Americana de Imprensa, que as empresas estão lançadas numa cruzada feroz de modernização do material, relegando para mais tarde a aposta nas pessoas e na sua formação profissional.

O autor de «Cem anos de solidão» lembrou os bons velhos tempos, calorosos e artesanais, dos diários de outrora. Recordou o espírito de entreajuda, de amor à camisola e da paixão pelo ofício de escrever. E, como contraponto, largou uma frase afiada até ao tutano: «As redacções (actuais) são laboratórios assépticos para navegadores solitários onde parece mais fácil comunicar com fenómenos siderais do que com o coração do leitor. A desumanização é galopante.»

Paralelamente, criticou a minimização de que a reportagem tem sido vítima. A cultura da rapidez e imediatez ganha terreno todos os dias. A hora do fecho impõem-se implacavelmente. Sobra cada vez menos espaço para contar boas estórias. Estes são factores que, na sua perspectiva, contribuíram para o declínio da reportagem, género considerado o mais nobre da profissão.

Definitivamente, o jornalismo não tem evoluído à mesma velocidade das ferramentas colocadas ao seu dispor.


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