sábado, abril 26, 2003

Interessante, também está este artigo da jornalista do Independente, Paula Joyce.


Cursos há muitos


Segundo as últimas estimativas há cerca de três dezenas de cursos pelo país inteiro que preparam os alunos (também) para a função de jornalistas. Logo aqui, e como já foi referido no estudo feito por Mário Mesquita e Cristina Ponte, o primeiro erro é o facto de estes cursos serem feitos para permitir saídas profissionais como o jornalismo e o marketing o que, de acordo com o código deontológico da profissão aqui em causa, são profissões incompatíveis. O que quer dizer que o programa curricular não está absolutamente adaptado á futura função. Apenas um exemplo: nenhum dos cursos tem mais do que um semestre ligado á Língua Portuguesa . E então temos licenciados que não sabem a diferença entre conselho com s e concelho com c. Quem não sabe português não pode comunicar correctamente, seja em rádio televisão ou jornais - isto parece básico. Mas nos cursos universitários não é. Entretanto, disciplinas como semiótica da comunicação são frequentes. Para quê, se os alunos não dominam sequer os sujeitos da comunicação - as palavras?

Em segundo lugar, a imagem de jornalista que passa para o público, e logo para os candidatos à profissão, é completamente errada. O dia-a-dia do jornalista não é feito de manchetes, de grandes entrevistas ou de artigos de opinião em que se pode até criticar o Presidente da República. A batalha diária é ouvir com humildade e paciência toda a espécie de gente: o homem do talho que presenciou o crime, o cientista que explica uma teoria, o político que envia recados indirectos ou o psicopata que se sente perseguido pelo vizinho. A todos é preciso ouvir com atenção e distinguir quando é que estamos em presença de uma notícia. E em caso afirmativo, passá-la para o grande público com fidelidade.

E para isto muitas capacidades são necessárias. A primeira, tal como outras profissões como a medicina, é a paixão. Ninguém aguenta ser médico ou jornalista a vida inteira se não tiver uma paixão pelo que faz. Porque os sacrifícios e a dedicação necessários exigem paixão. Mas não só: a sensibilidade para se fazer bem não está ligada à posse de um diploma. Está ligado ao chamado jeito ou queda ou feeling. Tal como para os médicos. As outras capacidades podem ser aprendidas nos bancos de uma faculdade: cultura geral, facilidade de expressão. Embora não seja isso que, de facto, se ensina.

Quero com isto dizer que todos, candidatos à profissão e profissionais, são vítimas de um mercado que quer vender cursos, apenas. Os candidatos, mais do que aqueles que a sociedade tem capacidade para absorver, deparam-se com estágios concedidos por favor em que nada ganham a não ser uma despedida ao fim de três meses. E os profissionais, a quem cabe dar formação prática aos mais novos, desesperam por ter de ensinar gramática, mais a composição do Governo e ainda explicar o facto que é notícia a um estagiário que já tem um diploma de licenciatura. Em quê ? Em jornalismo, não é de certeza, pensam eles.

Desculpem, para mim, está tudo mal. Era melhor começar do princípio. Aprender português, saber as leis com que nos cosemos, distinguir as organizações internacionais umas das outras e saber como se elege um presidente de uma câmara. Explicar como a profissão de jornalista é não ter horários, nem feriados, é estar atento 24 horas por dia, é ouvir humildemente qualquer maluco que se acha com razão, escrever uma notícia com verdades e ser odiado por isso. Para no fim do mês, receber um ordenado que não compensa nada disto. E a verdade é: quem não está disposto a tanto, pode esquecer a ambição de ser jornalista.


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