O JORNALISTA, ESSE INCOMPREENDIDO
por Cesar Valente, jornalista brasileiro e professor de jornalismo
A decis�o definitiva (em primeira inst�ncia) da ju�za que odeia jornalistas n�o me surpreendeu. Era natural que ela confirmasse sua decis�o provis�ria. O que me surpreende todos os dias, desde 1972, ano em que comecei a pensar no jornalismo como profiss�o, ano da minha primeira assinatura na carteira de trabalho, como redator em um jornal, � a falta de no��o que a maioria tem sobre o que um jornalista faz e o que faz um jornalista.
Nunca fiz outra coisa na vida e dentro da profiss�o fiz praticamente de tudo. Diga uma fun��o qualquer, qualquer uma, dentro de jornais, revistas, televis�es e r�dios e eu provavelmente a terei exercido nem que seja por alguns dias. Fui dono de ve�culo de comunica��o, fui estagi�rio, fui editor chefe, fui rep�rter, diagramador, ilustrador, fot�grafo, locutor de r�dio, rep�rter de TV.
Ah, sou tamb�m professor de jornalismo. Ali�s, ajudei a criar um dos melhores cursos de jornalismo do Pa�s, o da Universidade Federal de Santa Catarina (melhorou bastante depois que deixei de ser seu coordenador). Sou professor desde 1979, com algumas interrup��es. Dei aula de reda��o, planejamento gr�fico, hist�ria da arte gr�fica, teoria da comunica��o, comunica��o institucional, ensinei at� como fazer uma tabela de pre�os para os servi�os que a gente presta como free-lancer.
A obrigatoriedade do diploma espec�fico de jornalismo, a meu ver, mais atrapalhou que ajudou o desenvolvimento da profiss�o. E a "reserva de mercado" fez proliferar os cursos sem qualidade. Vejam bem: n�o acredito que d� para exercer profissionalmente o jornalismo sem uma prepara��o inicial. Um bom curso superior ajuda bastante. Se for espec�fico, melhor. S� que tem muita gente misturando alhos com bugalhos.
Por exemplo: tem coisas que qualquer um pode fazer. Escrever � uma delas. Estas cr�nicas, as colunas, abundantes nos jornais, artigos, editoriais, s�o coisas que dizem respeito mais � liberdade de express�o que ao jornalismo. Ningu�m precisa ser treinado para escrever cr�nicas.
Mas colocar um jornal, seja impresso, seja de r�dio ou TV, todos os dias, na hora certa, no ar ou na rua, exige conhecimentos t�cnicos. Nada muito glamuroso, nada excepcional, mas � uma opera��o que exige obedi�ncia a uma s�rie de rotinas, conhecimento de uma s�rie de procedimentos, para que, no hor�rio exato, apare�a nas bancas ou nos receptores aquele produto bem feito, bem acabado e at�, em alguns casos, interessante e �til.
Jornalismo, em ess�ncia e resumidamente, � a t�cnica (ou arte) de conhecer um fato, compreender suas circunst�ncias e depois cont�-lo, de tal maneira que quem ouve, l� ou v� o relato, consiga ter uma id�ia bastante aproximada do que realmente aconteceu. N�o �, de fato, uma ci�ncia oculta ou algo extremamente dif�cil. Mas exige t�cnica.
Um acidente banal, numa esquina, � uma coisa simples de se relatar. O carro x vinha pela rua tal, o carro y vinha pela outra rua e um dos dois desobedeceu o sinal de parar, resultando no acidente. Complica um pouco mais quando, na reda��o, temos o relato desse acidente sem v�timas e de um outro, com tr�s mortos: o que publicar e o que n�o publicar? Os jornais, voc�s sabem, t�m limita��o de espa�o ou de tempo.
Os fatos interessantes n�o ocorrem todos os dias nem nos hor�rios mais favor�veis. Mas os jornais t�m que estar na rua ou no ar, todos os dias, no mesmo hor�rio. Como planejar o trabalho de tal maneira que n�o falte assunto para todas as p�ginas ou para todos os minutos do jornal? Como fazer com que as pessoas sintam vontade de sinonizar ou comprar o jornal? Como fazer com que os relatos que apresentamos tenham um equil�brio de assuntos, para atingir a um n�mero grande de pessoas?
Todas essas quest�es exigem, para respostas adequadas, conhecimentos t�cnicos. E s�o esses trabalhadores, genericamente conhecidos como rep�rteres, redatores, editores, secret�rios de reda��o, editores executivos, chefes de reda��o, diretores de reda��o, que fazem jornalismo. Os colunistas, articulistas de opini�o, artistas midi�ticos, performers, o diabo, fazem outra coisa. N�o menor, n�o menos importante. Diferente.
Qualquer pessoa pode fazer um jornal, um programa jornal�stico de televis�o. O resultado pode ser uma experi�ncia amadora ou um produto profissional. Mais ou menos como quando voc� vai fazer aquela pequena reforma em casa. N�o existe reserva de mercado para pedreiros. N�o precisa ter diploma para fazer um muro. Mas a gente sempre prefere aquele profissional respeitado, que j� fez belos muros na vizinhan�a. N�o tem import�ncia que ele cobre um pouco mais caro que o biscateiro que sempre aparece. A gente tem que ter um muro confi�vel, no prumo, que n�o caia sobre nossas cabe�as.
Tem gente que sabe fazer e tem gente que n�o sabe. A obrigatoriedade do diploma camuflou, de certa maneira, a incompet�ncia. Mas n�o podemos chegar ao outro extremo, de achar que pessoas incultas, ignorantes das t�cnicas de apura��o, reda��o e edi��o, possam substituir os profissionais na produ��o de jornais de qualidade. Fazer bons jornais exige um conhecimento que n�o se adquire ao nascer, n�o se transmite por osmose e n�o se aprende vendo como � que faz. Mas naturalmente, como tudo na sociedade capitalista, cabe ao leitor, � leitora, ao espectador e � espectadora, decidir quem vai deixar que entre em casa para contar o que est� acontecendo na sua cidade, no seu pa�s e no mundo. Seria bom, portanto, que os habitantes deste pa�s tivessem escolha. E que todos os ve�culos n�o resolvessem, seja por conten��o de despesas, seja por desprezar a intelig�ncia do consumidor, nivelar por baixo, empregando amadores bem intencionados que trabalham por dois tost�es e produzem jornais que n�o valem um n�quel.
Dica de Carta Aberta
Eu comento:At� que ponto um jornalista � o que �, s� porque tem um diploma em jornalismo ou comunica��o social? Em Portugal, come�a-se a questionar se, para se ser jornalista, tem que se que ter um destes diplomas. Eu pr�prio sou jornalista e licenciei-me em Rela��es Internacionais porque acredito que, acima de tudo, um jornalista deve ter uma bagagem superior, bem como, uma especializa��o noutras �reas que n�o s�o fornecidas pelo curso de jornalismo ou de comunica��o social.
No entanto, at� que ponto os novos conte�dos que existem, n�o s� na Internet, mas tamb�m ligados a essas outras especialidades ir�o colocar em causa o jornalismo e o papel do jornalista, tal qual como o conhecemos? Fico a aguardar os vossos coment�rios.
quarta-feira, janeiro 22, 2003
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