O debate realizado na noite de 20 de Janeiro, na sede Sindicato dos Jornalistas (SJ), foi mais um passo para definir uma posição da classe sobre as condições actuais do exercício da profissão e da problemática do segredo de justiça e da protecção das fontes
A abrir a sessão, o presidente da Direcção do SJ, Alfredo Maia, sublinhou a gravidade e complexidade dos problemas com que os jornalistas hoje estão confrontados, enfatizando a necessidade de uma análise serena acerca da "responsabilidade ética, civil e criminal dos jornalistas".
Frisando que os jornalistas não estão acima da lei, apelou à reflexão de toda a classe sobre o assunto, para que em breve seja possível chegar a conclusões e encontrar soluções para os problemas do jornalismo actual e do seu relacionamento com a justiça.
Colisão entre segredo de justiça e sigilo profissional Abordando os aspectos legais da questão, o advogado Horácio Serra Pereira salientou a clivagem que existe entre a doutrina jurídica e a jurisprudência quanto ao entendimento de quem está sujeito ao segredo de justiça, comentando que a tendência actual favorece a primeira.
De acordo com a linha de pensamento de alguma doutrina jurídica, qualquer pessoa que tenha contacto com um processo e divulgue informações nele contidas, mesmo não sendo entidade judiciária, é passível de incorrer no crime de violação do segredo de justiça. Na prática, esta leitura leva a que o jornalista possa ser sempre intimado a revelar as suas fontes, o que reduz a protecção do sigilo profissional do jornalista.
Ainda segundo o advogado do SJ, esta tendência doutrinária contraria as recomendações do Conselho da Europa para uma maior protecção ao sigilo profissional dos jornalistas.
Não existem “segredos sagrados” Na sua intervenção, o presidente do Conselho Deontológico, Oscar Mascarenhas, alertou para o facto de as leis não terem sido feitas para proteger o jornalista, mas para permitir a liberdade de informação.
Por esse motivo, o jornalista tem de ponderar bem se a informação que lhe foi dada por uma fonte confidencial vale a pena o risco de ir preso, ou seja, se o interesse público de determinada informação justifica que o jornalista “dê o peito às balas” pela sua fonte.
“O sigilo profissional não é uma parede para proteger os jornalistas, mas para proteger as fontes”, sublinhou Oscar Mascarenhas, acrescentando que no exercício da profissão o jornalista tem de cumprir regras, como o uso do contraditório, e recusar-se a ser um mero prolongamento de uma das partes envolvidas, “um pé-de-microfone”.
Para o presidente do Conselho Deontológico não deve haver “segredos sagrados” para um jornalista, e este pode, em casos excepcionais, divulgar elementos de processos em segredo de justiça, designadamente para denunciar ilegalidades processuais.
Uma questão com muitos problemas Aberto o debate, as intervenções traduziram a complexidade da temática em discussão.
Se, por um lado, parece consensual que o tratamento dado ao processo Casa Pia tem estado por vezes “muito próximo do jornalismo de sarjeta”, o que “não tem a ver com jornalismo” mas tem certamente a ver “com audiências e tiragens”, por outro lado, não se pode ignorar as condições concretas em que hoje se produz a informação, nomeadamente a precariedade de emprego.
No debate reconheceu-se que as ameaças à liberdade de imprensa não advêm apenas, nem sobretudo, da veiculação dos jornalistas ao segredo de justiça, mas também das condições de trabalho em que os jornalistas são forçados a desenvolver a sua actividade.
Os jornalistas são compelidos a acelerar os tempos de produção, ficando sem possibilidade de levar a cabo uma verdadeira investigação autónoma e para a necessária distanciação e reflexão sobre os dados em que assenta a informação que vão divulgar. Esta realidade tem-se agravado com a crescente concentração dos meios de informação nas mãos de um pequeno número de grupos económicos.
Trabalhar sem redeNa reflexão promovida pelo SJ reconheceu-se igualmente que, em certos casos, tem faltado aos jornalistas a capacidade de autocrítica e que se têm cometido erros e imprudências que poderão vir a pagar-se caro, nomeadamente com alterações legislativas que restrinjam a liberdade de imprensa. Mas não deixou de se chamar a atenção para outro aspecto, também preocupante, que tem a ver com a interiorização de critérios comerciais por parte de jornalistas, o que resulta na convicção de que “o que vende bem é bom para noticiar”.
Como se afirmou durante o debate, “hoje em dia trabalha-se sem rede” e não se dá o devido acompanhamento aos jornalistas, em particular aos mais jovens, no seio das redacções. Por isso, considerou-se importante promover novos debates com a participação de professores de comunicação social e reflectir sobre a formação dos profissionais e candidatos a profissionais.
Nesse sentido, Alfredo Maia revelou que, no final de Fevereiro, irá ter lugar a I Conferência Nacional sobre Condições de Produção nos Média, na qual o Sindicato espera “reunir jornalistas, patrões e universidades, para discutir, entre outros assuntos, as concentrações empresariais e os direitos dos jornalistas”, num tempo em que “o tempo comercial está a cilindrar o tempo jornalístico”.
No final do debate, Oscar Mascarenhas lançou o repto a conselhos de redacção, jornalistas e professores de jornalismo para que discutam em conjunto com o Sindicato dos Jornalistas a questão das fontes confidenciais.
Fonte:
Sindicato dos JornalistasAlguém comenta???