sexta-feira, outubro 31, 2003

Uma relação de amor e ódio, por Miriam Abreu


Os jornalistas têm uma vida pessoal precária, muitas vezes abdicam de relacionamentos, trabalham excessivamente e vivem em ambientes de trabalho competitivos. Estes profissionais são muito solicitados, muitas vezes humilhados e percebem que a vida está sendo consumida pelo trabalho. Para você jornalista, isso pode não ser nenhuma novidade, mas para outras pessoas sim. A análise faz parte de uma pesquisa, realizada pelo advogado e psicólogo Roberto Heloani, que entrevistou 44 jornalistas [brasileiros], com os quais aplicou testes e realizou discussões em grupos. São mais de mil páginas de transcrições de fitas.

Heloani decidiu pesquisar a vida do jornalista por este ser um formador de opinião. "Desta forma podemos aprender um pouco mais sobre eles, saber um pouco mais da vida deste profissional, que passa uma imagem glamourosa, vendida pela própria mídia", comenta o pesquisador.

Apesar de ter uma convivência freqüente com jornalistas – ele já realizou cursos na área – Heloani confessa que se surpreendeu com o resultado da pesquisa. A primeira surpresa, segundo ele, é com a péssima qualidade de vida do profissional de imprensa. "Eu já sabia que jornalistas trabalham muito, mas eles andam estressados, apesar de saber driblar o cansaço. Ele agüenta uma carga de trabalho pesada porque é um apaixonado pela profissão. Existe uma relação de amor e ódio pelo jornalismo".

Os jornalistas, segundo a pesquisa, abdicam de uma vida a dois pela profissão. Algumas mulheres, na faixa dos 25 anos aos 30, chegaram a dizer para Heloani que não têm tempo para namorar. "O estilo de vida do jornalista compromete esta relação".

Sem mencionar nomes, Heloani contou a história de um jornalista que goza de certo poder numa grande emissora de TV do país. "Este jornalista era casado com uma psicóloga. Muitas vezes eles não se viam, até que um dia foi demais. Quando ele chegou do trabalho, ela estava dormindo. A esposa acordou e não viu o marido, o que era comum. Mas quando ligou a TV, viu que o marido estava na Argentina, no meio de um tiroteio. Foi demais para a psicóloga, que pediu demissão. Hoje ele é casado com uma jornalista. Acho que pelo fato de terem a mesma profissão, a compreensão é maior".

Quanto à saúde, a pesquisa mostra que poucos cuidam dela. Os jornalistas se queixam que não têm tempo para procurar um médico. Heloani disse que, além de terem pouco tempo para se alimentar, os profissionais consomem excessivamente café e álcool, este para relaxar depois de um longo dia de trabalho. "Eles também reclamam da questão do sono. A maior parte dorme pouco, em horários irregulares devidos aos plantões. Aqueles que têm cargos de chefia ficam ansiosos porque existe a preocupação pela responsabilidade do produto". O pesquisador afirma que a insônia é um dos sintomas do estresse e pode acabar em depressão.

Quase todos os entrevistados disseram que o ambiente de trabalho é competitivo, enfatizaram a cobrança excessiva e também a precariedade das condições em muitas redações. Muitos deles também exercem várias funções ao mesmo tempo. "Hoje, o profissional de imprensa é multifuncional, polivalente. Devido ao próprio processo de informatização, o jornalista tem que ser tudo, tem que ser uma equipe".

A pesquisa também mostrou que o individualismo é uma característica marcante. Segundo Heloani, a profissão está sendo moldada à competitividade. "Para sobreviver na profissão, o jornalista acha que seu colega é o seu principal empecilho".

Para o jornalista, o sindicato da categoria é ineficaz. "É esta descrença e o questionamento sobre a forma coletiva que também faz do jornalista um ser individualista". De acordo com Heloani, a desconfiança e descrença nas entidades representativas constroem a fragilidade da profissão.

"O jornalista está seguindo um caminho extremamente perigoso. Acho que o processo de conscientização é lento. Se continuar assim, ele vai comprometer sua saúde física e mental", conclui.

Dica de Eduardo Henrique Furlan, do Grupo Defesa do Jornalismo.

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